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Foto do escritorBianca Peres

Darwin e os microrganismos.

Quando Darwin desenvolveu a teoria da seleção natural, mal sabia ele que a comunidade científica não iria gostar nadinha disso.


A principal razão disso era porque faltava, em sua teoria, algo que explicasse a hereditariedade. Para Darwin, a hereditariedade funcionava como uma miscigenação das características, mas se realmente fosse uma mistura, seria difícil que a seleção natural operasse.


Supondo que novos organismos sejam formados com características de ambos os progenitores, e somente por esse mecanismo, a variação fenotípica tenderia a desaparecer. Dessa maneira, não haveria adaptação nem evolução dos organismos (Box 1).


O próprio Darwin, após pensar melhor, achou essa teoria (pangênese) uma grande bobagem. Dias de luta, dias de glória. Teoria vai e teoria vem, até que finalmente a teoria de hereditariedade de Mendel foi redescoberta.


Entram em cena, Fisher, Haldane e Wright. Eles conseguiram sintetizar a teoria da seleção natural com a teoria mendeliana, estabelecendo o que ficou conhecido como neodarwinismo. A partir daí essas ideias influenciaram todas as áreas da biologia, inclusive a microbiologia.


Infelizmente, quando Darwin lançou, em 1859, A origem das espécies, a microbiologia era uma ciência nova*. Caso Darwin tivesse explorado os microrganismos como sistema modelo, poderia ter provado suas teorias de maneira fácil, pois:


- dividem-se muito mais rápido que organismos multicelulares;

- reproduzem-se por meio de fissão binária e não por eventos complexos.


Foi somente 80 anos depois de Darwin ter nos agraciado com sua teoria, que Delbrüch e Luria puderam explorar os microrganismos como sistema modelo. No caso, eles provaram que as bactérias podiam se tornar resistentes ao bacteriófago T1 antes mesmo da exposição ao vírus.


Esse experimento laboratorial coincidiu com o início de um fenômeno de extrema importância no mundo real. Aliás, um exemplo clássico da aplicação da teoria da seleção natural: os patógenos resistentes a drogas.


Como a resistência se desenvolve? De maneira resumida, o aumento do uso de antimicrobianos em diversas áreas e/ou o uso incorreto, provê condições altamente seletivas e somente os resistentes conseguem sobreviver. Sem competição, desenvolvem-se mais facilmente, aumentando a frequência na população.


Outro exemplo no mundo microbiano que depende da variação herdável e seleção natural é a capacidade de infectar organismos multicelulares. Esses exemplos fazem parecer que os microrganismos são muito espertos. A verdade é que a evolução é um processo “às cegas” que ocorre pela seleção de variações genéticas. **


Também não é um processo tão simples, existe um balanço entre manter a informação genética essencial e gerar diversidade genética para facilitar a adaptação frente às mudanças ambientais.


*Ainda era a época da rixa geração espontânea x biogênese. Foi, inclusive nesse ano, que a Academia Francesa de Ciência realizou um concurso, para quem tentasse “desenvolver um experimento para trazer uma luz sobre a questão da geração espontânea”. Pasteur, com sua experiência na indústria de vinhos e no processo de pasteurização, chegou com tudo e mostrou ao mundo que o diacho da mosca não nasce da carne podre.


** Tenha em mente que, embora a atuação sobre variação genética ocorra de modo aleatório, a sobrevivência e o sucesso reprodutivo de um indivíduo estão diretamente relacionados com a função das características herdadas em determinado contexto ambiental.


Box 1. Lá vem o papo de Aa

Para entender porque dificilmente a teoria de Darwin não funcionaria por mistura, imagine o seguinte (já me desculpo antecipadamente pelo exemplo tolo, mas achei que seria mais engraçadinho do que ervilhas):


Em um lugar muito, muito distante, princesa Fiona resolve dar um pé na bunda de Sherek, pois estava cansada da bagunça que ele deixava em casa e então casa-se com um ser humano. Coitada. Mal sabia ela que os homens humanos são bagunceiros da mesma forma…


Pois bem, considerando que:

  • Fiona tem um gene AA para cor verde-escura;

  • o ser humano, aa tem cor branca;

  • não existe dominância entre os genes;

  • o filho do casal apresenta o genótipo Aa, ou seja, uma mistura entre as duas cores: verde-claro.

Na geração seguinte, temos um problema. Na herança por mistura "A" e "a" misturariam-se fisicamente para formar um novo tipo de gene, por exemplo, o gene A`. E, no cruzamento entre dois heterozigotos, todos os netos seriam verde-claros.


Atualmente, sabemos que não ocorre dessa forma. O mendelismo preserva com eficiência a variabilidade genética porque os tipos genéticos extremos são transmitidos de uma geração a outra, ainda que estejam disfarçados como heterozigotos.

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