Antes de falarmos exatamente sobre a estrutura, vamos entender como um biofilme se forma?
A formação dos biofilmes ocorre em etapas. O desenvolvimento inicia-se com a adesão das bactérias a uma superfície. Um processo que pode ser facilitado por estruturas celulares (cílios, flagelos), proteínas superficiais ou pela presença de um filme condicionante de matéria orgânica dissolvida.
Essa adesão inicial é fraca e reversível. É dirigida pelas forças de van der Waals (atração entre o objeto e microrganismo), hidrofóbicas e eletrostáticas. Quando uma célula adere a uma superfície, inicia-se a expressão de genes específicos como os codificadores de moléculas de comunicação intercelular e genes relacionados com a produção da matriz de polissacarídeos. E é essa matriz que circunda as células e forma uma forte ligação com o substrato, promovendo, a adesão irreversível.
Uma vez aderidas de maneira irreversível, as células proliferam-se e continuam depositando a matriz, formando-se então o biofilme maduro. Nesse estágio, embora as células estejam em modo planctônico, os biofilmes não constituem estruturas estáticas, as células podem ser liberadas em um processo ativo de dispersão. Nesse processo ocorre a degradação parcial da matriz acionada pela expressão de alguns genes como, por exemplo, os codificantes de enzimas degradadoras.
A matriz é composta principalmente por polissacarídeos, proteínas, lipídeos e DNA extracelular (DNAe). Uma vez que sua produção depende de vários fatores como disponibilidade de nutrientes, competição entre microrganismos e do processo de secreção da matriz, sua produção está relacionada a um alto gasto energético. No contexto evolutivo, devido às numerosas vantagens possibilitadas pelos biofilmes, esse custo de energia é evolutivamente justificado.
Além de conferir uma organização espacial aos biofilmes, a matriz forma canais para transporte de nutrientes, água, oxigênio e produtos de excreção que propiciam a formação de gradientes. A formação de microambiente, por sua vez, promove uma diversidade de microrganismos.
A matriz também confere ao biofilme uma grande capacidade de sorção ativa de nutrientes, possibilitando que uma grande variedade de substâncias fique retida e se acumule. Essa característica é importante em ambientes oligotróficos.
Ela também promove um sistema digestivo extracelular, pois enzimas degradadoras extracelulares são liberadas e retidas na matriz. Essas conseguem degradar não só os compostos adquiridos da água, mas também daqueles presentes no substrato.
Por outro lado, essa capacidade pode gerar a biodeterioração e a biocorrosão. Esses processos apresentam caráter dual, por poderem ser aplicados na biorremediação, ao passo que são prejudiciais na indústria.
Outra propriedade dos biofilmes é a tolerância. A tolerância em biofilmes é resultante das propriedades da matriz (aprisionamento e inativação dos antimicrobianos) bem como da baixa taxa de crescimento dos organismos num biofilme.
É importante não confundir tolerância com resistência. O termo resistência é utilizado para nomear uma característica genética e herdável adquirida por mutação ou transferência horizontal e que se mantém mesmo quando as células sofrem dispersão. Já a tolerância é uma característica específica dos biofilmes e que, portanto, não é visualizada em células dispersadas de vida livre.
Alguns agentes antimicrobianos não interagem com os componentes da matriz e difundem-se através dos biofilmes. Nesses casos, alguns componentes da matriz podem extinguir a atividade desses compostos em uma forma denominada de inibição da reação-difusão (quenching), que envolve a quelação, formação de um complexo e degradação enzimática. A diminuição da concentração efetiva a concentrações subletais pode promover a seleção de microrganismos resistentes.
As baixas taxas de crescimento e dormência são reconhecidamente meios de sobrevivência em biofilmes expostos a antimicrobianos. As baixas taxas de crescimento levam ao estado viável não cultivável e também podem gerar células persistentes que são subpopulações fenotipicamente distintas e tolerantes a diversas drogas. Devido à alta taxa de células em fase estacionária, as células persistentes são prevalentes nos biofilmes.
Reparem, portanto, que para o biofilme ser de fato considerado como tal, é preciso que as células formem uma estrutura espacial organizada. Além disso, é preciso apresentar diversas características, muitas das quais derivam das propriedades da matriz. Segundo Flemming; Wuertz (2019), as características chaves de um biofilme são:
- Formação de microagregados microbianos em interfaces;
- Adesão celular mediada por mecanismos genéticos;
- Produção de uma matriz contendo polissacarídeos, proteínas e DNA extracelular que fornece uma estabilidade mecânica;
- Formação de microambientes devido aos gradientes formados;
- Presença em diversos hábitats;
- Formação de um sistema digestivo extracelular devido à retenção de enzimas na matriz;
- Formação de microconsórcios que utilizam os nutrientes de forma sinergística em biofilmes contendo mais de uma espécie.
- Retenção de água e prevenção da desidratação;
- Importante papel na ciclagem de nutrientes;
- Sorção e retenção de nutrientes do exterior;
- Tolerância a condições estressantes e agentes microbicidas;
- Facilitação da comunicação celular e da transferência horizontal de material genético;
- Presença de comportamento coletivo e coordenado regulado pelas moléculas sinalizadoras.
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