Esses dias, estava conversando com uma conexão do LinkedIn sobre produção de conteúdo e ela citou alguns temas sobre os quais gostaria de abordar. Um deles era sobre as licenças de artigos. Confesso que até pouco tempo atrás, eu mesma não tinha um conhecimento aprofundado sobre isso. Aprendi mais com a Lavinia Dal’Mas Romera quando trabalhamos juntas na Aflora Ciência.
Bem, durante a conversa, disse a ela que o acesso a artigos sobre agricultura eram os de mais difícil acesso, no sentido de o conteúdo estar restrito à visualização ou compartilhamento. Fiquei com isso na cabeça. Tinha até uma ideia pré-concebida do porquê isso acontecia, mas achei interessante pesquisar mais sobre isso e por que não, escrever um texto abordando esse tema.
Confira agora o motivo pelo qual isso provavelmente acontece e, porque devemos discutir sobre esse assunto.
O que significa Acesso Aberto e Licenças Creative Commons.
Todo o conhecimento em ciência deve ser registrado em artigos científicos. Existem diversos tipos e diversas revistas especializadas nas quais eles podem ser publicados. Existem revistas boas e revistas ruins. Por isso, é preciso estar atento às informações, mesmo que ela tenha sido publicada em uma revista científica. O olhar crítico é algo que acompanha um cientista para sempre.
Como qualquer obra, o trabalho científico é protegido pelo copyright. Que protege no sentido moral e econômico. Isso dá ao direito ao autor reivindicar a autoria e determinar o destino desse material. Em outras palavras, isso assegura a proteção contra plágios e a possibilidade do autor barrar a distribuição do artigo no sentido de proteger distorções ou uso indevido dos dados que prejudiquem a sua reputação.
Na prática, podemos encontrar alguns artigos abertos à toda a população, sendo possível acessá-los e baixá-los no computador. Já alguns, são restritos aos alunos e pesquisadores das Universidades que, nesse casso, arcam com as assinaturas dos periódicos. Como ex-aluna da USP continuo tendo acesso a diversas revistas científicas (um privilégio em cima do privilégio de quem passou pela universidade).
Acesso aberto, porém, difere de distribuição. Muito artigos até possuem acesso aberto, porém, ainda podem existir as barreiras de distribuição do conteúdo, modificação e utilização. *
A grande questão em relação a isso é a seguinte: como podemos conceder acesso aos leitores, democratizando o conhecimento, sendo que existem custos para a produção e manutenção dos conteúdos? E, claro, tirar o monopólio das editoras no controle sobre o destino dos trabalhos.
Nesse contexto, surgiu o movimento acesso aberto. O Creative Commons, por exemplo, é um passo dentro desse movimento. Essa organização permite que os autores decidam, conforme os próprios interesses, o compartilhamento dos trabalhos de sua autoria. Quem quiser saber mais sobre isso, sugiro o artigo do João Pilvervasser.
A ideia é boa, mas ainda não resolve o problema da democratização do conhecimento. Afinal, grande parte do conhecimento acadêmico é gerado a partir de financiamento público, e nada mais justo, que a produção acadêmica retorne os benefícios à sociedade.
As licenças em relação aos artigos sobre COVID-19.
Com a pandemia de COVID-19, dada a emergência da situação, muitos pesquisadores passaram a pesquisar o tema. Inclusive quem não era da área. Eu mesma fui uma delas. Com isso, a publicação de artigos científicos foi imensa**.
Diante da urgência, era imprescindível que os dados publicados estivessem disponíveis a todos. Por isso, houve uma intensificação no movimento para a liberação de acesso. Como nunca visto, os dados passaram a ser publicados em tempo real, em bases de dados abertas.
Afinal, quanto maior o conhecimento sobre o assunto e mais rapidamente ele pudesse ser compartilhado, maiores seriam as chances para a descoberta de tratamentos, vacinas, métodos diagnósticos e tantas outras igualmente importantes no resguardo da saúde física e mental da população.
O acesso restrito aos artigos sobre agricultura.
Bom, voltemos ao motivo principal desse artigo, o agronegócio. Como comentando anteriormente, uma das grandes dificuldades em escrever sobre esse assunto são as barreiras impostas pelas licenças.
Como redatora, não posso utilizar diversos artigos na produção dos textos dos clientes. Muitos restringem a utilização comercial do conteúdo. Ou seja, não posso gerar nenhum tipo de receita a partir daquele trabalho.
Obviamente, o impacto disso, vão muito além. Um exemplo: quando grandes produtores patenteiam genes de plantas e sementes, significa que essas companhias têm direitos sobre estruturas genéticas de organismos naturais.
Além das consequências ambientais, isso repercute na esfera social, pois os pequenos agricultores são privados de autonomia. A propriedade intelectual na agricultura, portanto, gera um clima de medo e relutância no compartilhamento de ideias. Será esse o grande motivo das restrições nos artigos?
Além disso, as restrições no uso de tecnologias agrícolas gera um looping que acaba por minar a própria pesquisa pública. Afinal, isso permite ao setor privado o monopólio pela pesquisa pública, um perigo para os produtores rurais de países em desenvolvimento.
Conduzindo um paralelo, seria uma situação semelhante ao que ocorre com as doenças denominadas negligenciadas, que não são interessantes às grandes companhias farmacêuticas. Assim, ignoram-se os produtores e as doenças de países pobres.
Pesquisando sobre isso, encontrei uma iniciativa da EMBRAPA, a qual é uma instituição pública de pesquisa muito importante no setor agropecuário, na gestão da informação científica interna e externa. Uma das etapas é justamente adotar as licenças Creative Commons nas produções de conteúdos internos.
Eles também foram além, criaram um serviço de adaptação dos conteúdos de modo que o público alvo (ex: produtores rurais) possa compreender e assimilar mais facilmente as tecnologias geradas na instituição. Se as intenções são reais e surtirão efeito, só o tempo irá dizer.
Esse assunto é, claramente, bem complexo. Envolve diversos fatores da sociedade e abarca tanto políticas públicas quanto privadas. Existem prós e contras na detenção de conhecimentos tecnológicos seja qual for a área de conhecimento. Tratando-se de ciência, no entanto, é preciso ter em mente um dos principais objetivos da mesma: a solução de problemas que acometem a sociedade.
Observação
*Mesmo que praticamente todos saibam aquela maneira de burlar o acesso restrito para baixar os artigos, isso não significa que você poderá citá-los no seu trabalho. Ou seja, você pode usá-los para estudar sobre um tema, mas se a licença restringe o acesso sob qualquer aspecto, fique atento!
** esse é o meu!
Freire MCLC, Noske GD, Bitencourt NV, Sanches PRS, Santos-Filho NA, Gawriljuk VO, de Souza EP, Nogueira VHR, de Godoy MO, Nakamura AM, Fernandes RS, Godoy AS, Juliano MA, Peres BM, Barbosa CG, Moraes CB, Freitas-Junior LHG, Cilli EM, Guido RVC, Oliva G. Non-Toxic Dimeric Peptides Derived from the Bothropstoxin-I Are Potent SARS-CoV-2 and Papain-like Protease Inhibitors. Molecules. 2021 Aug 12;26(16):4896. doi: 10.3390/molecules26164896. PMID: 34443484; PMCID: PMC8401042.
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