A diversidade metabólica e o rápido crescimento microbiano são características com enorme potencial de aplicação na indústria. São tantas as possibilidades que existe uma área dedicada apenas ao estudo dos processos microbianos de interesse industrial, a Microbiologia Industrial.
Sendo essa, um ramo da Microbiologia Ambiental, tem por objetivo aplicar os conhecimentos sobre os microrganismos em benefício dos seres humanos, especificamente na indústria.
O aspecto básico da microbiologia industrial é o bioprocesso, ou seja, processos industriais conduzidos pela atividade de microrganismos (ou células vegetais e animais) ou por substâncias por eles produzidas.
Confira, neste artigo, como os microrganismos podem ser aplicados na indústria e porque esses bioprocessos representam fatores importantes na sustentabilidade.
Operações básicas de um bioprocesso.
Um bioprocesso corresponde a todos as operações necessárias na transformação de uma matéria-prima em um produto. Isso inclui o tratamento da matéria-prima e dos resíduos bem como os procedimentos envolvidos no controle desses processos.
Depende do preparo de meios adequados para o crescimento do microrganismo, da seleção dos biocatalisadores (o microrganismo) mais adequados, do biorreator e, por fim, dos processos de purificação do bioproduto.
Um bom catalisador é aquele capaz de converter substratos de maneira rápida e com alto rendimento. Além disso, é importante que o biocatalisador seja estável a variações ambientais, já que muitos fatores, como pH e temperatura, podem variam durante a produção como parte inerente do processo. Também são formadas substâncias tóxicas decorrentes do metabolismo microbiano que podem alterar as condições.
Devidamente selecionados e aprimorados, os biocatalisadores passam ao biorreator, o local onde ocorrem os bioprocessos. Existem diversos tipos de biorreatores e a escolha deste depende do tipo de célula e das reações que deverão ocorrer. Por fim, o produto de interesse deve ser recuperado. Os processos para essa finalidade são desenvolvidos para se atingirem os maiores graus de pureza e a forma final exigida (ex: líquido concentrado ou liofilizado).
Parte importante do sucesso de produção de bioprodutos, corresponde ao controle dos bioprocessos. Atualmente, consumidores estão cada vez mais exigentes não só quanto à qualidade dos produtos, mas também quanto aos impactos ambientais decorrentes dos processos de produção.
O controle envolve a observação de variáveis físico-químicas e biológicas. Além de observar os microrganismos envolvidos no processo, o controle envolve a inibição da contaminação por outros microrganismos.
Aplicações biotecnológicas de microrganismos.
Bactérias, arqueias, fungos e algas apresentam um potencial incalculável para a indústria. Atualmente, já são aplicados na produção de medicamentos, alimentos, fertilizantes, pigmentos e tantos outros produtos.
Bactérias são interessantes na produção de compostos bioativos como antimicrobianos e também de enzimas de interesse médico e ambiental. Os fungos podem ser facilmente aplicados na biodegradação de poluentes (que podem ser rejeitos de uma indústria) e na produção de enzimas e alimentos.
As leveduras, fungos unicelulares, também se destacam na produção de bioetanol e de moléculas de relevância industrial como lipídeos, carotenoides, compostos aromáticos e probióticos.
Quais são as características microbianas por trás desses bioprocessos? O rápido crescimento e versatilidade metabólica. Como são muito pequenos, os microrganismos têm uma facilidade de se desenvolver. A maior relação superfície/volume possibilita uma rápida troca de nutrientes com o meio ambiente.
Isso tem um impacto direto em outras características. Vejamos. Como eles podem crescer rapidamente, maior é o número de divisões celulares que eles sofrerão e um importante processo que pode ocorrer durante a duplicação do genoma, é a mutação.
Além disso, os microrganismos podem trocar material genético com outros, sejam eles muito semelhantes ou distantes filogeneticamente. Somados, esses fatores levam a uma maior diversidade metabólica que pode ser explorada na indústria.
A sustentabilidade na indústria baseada em bioprocessos. A biorefinaria como exemplo.
O que tudo isso tem a ver com sustentabilidade? Uma notável característica desses processos é a sustentabilidade que promovem ao empregarem matérias-primas renováveis e produzirem rejeitos de baixa toxicidade.
Além de representarem alternativas a problemas enfrentados pelas indústrias, os bioprocessos incluem outros aspectos de interesse além dos tecnológicos, como a mitigação dos impactos ambientais e até mesmo sociais.
Nas últimas décadas, as novas tecnologias proporcionaram a expansão das biorefinarias, a inovação dos processos fermentativos e aumentaram a vida útil de produtos. Além disso, a facilidade com que os microrganismos podem ser modificados geneticamente, proporciona o desenvolvimento de um imenso portfólio de compostos químicos, que transformam a falta de recursos em solução.
Na biorefinaria, por exemplo, definida como o processamento sustentável de biomassa em produtos de base biológica e bioenergia, a ordem é evitar o uso de biomassas de primeira geração e buscar soluções baseadas em materiais residuais (ex: resíduos agrícolas). Nesse contexto, os microrganismos e sua versatilidade metabólica conseguem lidar com compostos de diversas naturezas, trazendo benefícios econômicos e ambientais.
Além disso, segundo Enrica Pessione, a habilidade dos microrganismos em estabelecer relações recíprocas também é um importante fator que pode ser explorado como estratégias para conter a crise ambiental. As bactérias, especificamente, são excelentes modelos de vida sustentável ao otimizarem recursos, ao reciclar, compartilhar metabólitos e utilizar a mesma molécula para o desenvolvimento de diversas funções.
Na biorefinaria, os consórcios microbianos, comunidades microbianas que contém espécies de interesse, representam mais um passo na sustentabilidade. Comparado às culturas puras, os consórcios: possibilitam a utilização total de um substrato, a produção de diversos produtos com base em um único composto e são menos custosos, pois não requerem a esterilização.
Na produção do bioetanol, por exemplo, geralmente utiliza-se a lignocelulose, cuja degradação resulta em vários produtos tóxicos como o fenol. Além disso, é constituída por uma mistura de carboidratos que culturas puras de Saccharomyces cerevisae, amplamente empregadas para essa finalidade, não conseguem converter de maneira eficaz.
Por outro lado, estudos recentes demonstram a eficácia de consórcios naturais na degradação de diferentes tipos de lignoceluloses, já que podem produzir diferentes tipos de celulases.
Os microrganismos apresentam um grande potencial na transformação de processos industriais, no entanto, ainda temos muito a descobrir. As técnicas moleculares nos mostram que isolamos apenas uma pequena parcela de toda diversidade microbiana existente.
Os avanços dessas metodologias, bem como das ciências computacionais e da biologia sintética serão indispensáveis para o futuro da biotecnologia e da sustentabilidade na indústria.
Referências
BRADUARDI, P. Closing the loop: the power of microbial biotransformations from traditional bioprocesses to biorefineries, and beyond. Microbial Biotechnology (2021) 14 (1), 68– 73.
Jiang, LL., Zhou, JJ., Quan, CS. et al. Advances in industrial microbiome based on microbial consortium for biorefinery. Bioresour. Bioprocess. 4, 11 (2017). https://doi.org/10.1186/s40643-017-0141-0
NASCIMENTO, Rodrigo P., COELHO, Maria A., RIBEIRO Bernardo D., PEREIRA, Karen S. Microbiologia Industrial. Bioprocessos. Vol 1. Primeira edição. Rio de Janeiro: Editora Elseveier, 2018.
Pessione E. The Less Expensive Choice: Bacterial Strategies to Achieve Successful and Sustainable Reciprocal Interactions. Front Microbiol. 2021 Jan 20;11:571417. doi: 10.3389/fmicb.2020.571417. PMID: 33584557; PMCID: PMC7873842.
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